Sobre aqueles que 'se vão da lei da morte libertando’, escreveu Camões, até talvez pouco confiante na grandiosa verdade que acabara de escrever. Olhar para a morte como o derradeiro lugar de oportunidade, pode ser estranho, mas talvez não seja assim tão incorrecto. Mas não é uma dissertação sobre a morte que me traz aqui. É uma dissertação sobre a vida…
Quando perdemos alguém, por muito difícil que nos seja encarar tal facto, guardamos as recordações e os momentos que nos marcaram de alguma forma. Podemos dizer que a força da recordação é a força que mantém determinadas pessoas ‘vivas’ em cada um de nós. Eu próprio já o escrevi. São essas pequenas lembranças que nos engancham à memória deste ou daquele momento, desta ou daquela pessoa, deste ou daquele dia. É tal como acontece com o povo. Se estudarmos Relações Internacionais (e todas as suas ‘afiliadas’) aprendemos que só há povo quando há memória colectiva. Histórias, dias, sucesso, vitórias, derrotas e fracassos comuns, celebrados e chorados em conjunto. Aplicando isto ao indivíduo, diria que uma das piores tragédias do ser humano seria a de perder a capacidade de guardar as suas memórias, quer as boas (por razões óbvias), quer as más (porque nos ajudam a lembrar o quão boas são as boas).
A modernidade tem-se esforçado por deixar de viver amarrada ao passado. E tem-no feito bem. Mas não pode cair no erro de esquecer a sua memória. Nem revivalistas, nem desconhecedores do passado. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Sejamos equilibrados, porque sem este equilíbrio, perderemos grande parte daquilo que somos. Há que estabelecer a diferença entre revivalismo fundamentalista, que deifica tudo o que é passado, e o apagar da memória colectiva, que nos trouxe até aqui, que fez de nós aquilo que somos, com todos os defeitos e virtudes que isso acarreta.
Talvez me perguntem porque escrevo sobre memória sendo tão novo. Eu explico. 25 anos é a minha idade. Hoje, vi falecer a minha avó Maria Luísa, a quem um acidente grave de viação retirou grande parte das faculdades físicas e mentais que tinha. Esse acidente ocorreu em Outubro de 82. Isto significa que vi partir alguém que, na realidade, nunca conheci. O único gancho que me segura à sua história são as histórias e as narrativas de quem conviveu com ela antes daquele dia. E se perder alguém cuja história nos marca directamente é doloroso, não pensei que lembrar-me que nunca conheci a minha avó, aquela avó dinâmica e cuidadosa, decidida e meiga, pastora e amiga, fosse tão difícil. Faltam-me palavras para expressar o vazio. A pena de não ter como recordar aquilo que a Maria Luísa Barradas foi verdadeiramente. Apenas ouvi falar dela…e isso não me chega…
Não é tarde para ganhar a memória. Vou agarrar no meu avô João (o único vivo agora) e vou escrever um livro com ele. Não é um livro de memórias, mas um livro de sabedoria, da sabedoria que emana de cada vez que ele fala. Quero que todos conheçam o homem que, de cada vez que abre a boca, me ‘mostra’ qualquer coisa nova sobre a Bíblia. E quero ter essa memória…
A injustiça da parábola do filho pródigo
13 years ago
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